Dr. Alberto Eustáquio Caldeira de Melo – Cardiologia Clínica
INSUFICIÊNCIA TRICÚSPIDE
Introdução
A valva tricúspide (VT), localizada entre o átrio direito e o ventrículo direito é composta por três folhetos (anterior, posterior e septal), cordoalhas tendíneas, músculos papilares, anel fibroso e miocárdio atrial e ventricular direitos. A VT tem como função o controle do fluxo sanguíneo por essas câmaras. A Insuficiência Tricúspide(IT) decorre da coaptação imperfeita da valva tricúspide durante o período de ejeção ventricular direita, com consequente refluxo sanguíneo para a câmara atrial direita.
Etiologia
– Primária: Menos comum (25%). Causada por acometimento da própria valva decorrentes de degeneração mixomatosa (prolapso da valva tricúspide), doença reumática, endocardite infecciosa, Anomalia de Ebstein, Síndrome de Marfan, Síndrome carcinóide, iatrogenica (implante de MPC, biopsia de VD).
– Secundária (Funcional): Mais freqüente (75%) e decorrente da dilatação do ventrículo direito e do anel valvar. Sobrecarga de VD devido a Hipertensão Pulmonar (primária ou secundária), cardiomiopatia dilatada, insuficiência cardíaca esquerda, isquemia das câmaras direitas.
Sempre que o paciente apresentar alterações de valva mitral deve ser pesquisado alterações de VT, pois comprovadamente dados epidemiológicos indicam esta relação.
A pressão sistólica da artéria pulmonar (ou ventrículo direito) pode ser útil para determinar a etiologia (primária ou secundária) da IT: Pressão inferior a 40mmHg sugere etiologia primária e superior a 55mmHg sugere etiologia secundária.
Fisiopatologia
Na maioria das vezes, a IT está relacionada com alterações do coração esquerdo, seja por alterações do septo (ex: CIV), musculares (ex: miocardites,IAM), valvares (ex: EM), elétricas (ex: FA) ou varias outras etiologias pois existe uma interdependência importante entre o bom funcionamento do VD e a função normal do VE. A falência do coração esquerdo normalmente resulta em aumento da área do VE, aumento da regurgitação mitral, aumento da pressão pulmonar e conseqüente sobrecarga de pressão do coração direito e insuficiência tricúspide por dilatação anular. O mesmo pode ocorrer na EM decorrente da FR, sem alterações do VE.
Na Insuficiência Tricúspide Crônica a diminuição da fração de ejeção do VD, devido ao aumento da pressão pulmonar leva ao aumento do fluxo regurgitante para o átrio direito e como conseqüência, ocorre queda do débito cardíaco(DC). Diante desse quadro o sistema nervoso autônomo simpático e o sistema renina-anigiotensina-aldosterona são ativados, com consequente vasoconstrição periferica, aumento do retorno venoso e elevação do volume circulante. Além disso irão ocorrer: sobrecarga de VD e AD, que podem provocar ou agravar a síndrome de congestão sistêmica; aumento da fração de ejeção do VD, compensando o volume regurgitante para o AD; hipertrofia excêntrica do VD e aumento do diâmetro dessa câmara.
Na IT funcional decorrente da hipertensão pulmonar ocorre além da sobrecarga de volume, sobrecarga de pressão e diminuição da complacência ventricular direita. Ocorre dilatação mista, excêntrica e concêntrica dessa câmara.
Na insuficiência tricúspide Aguda não há tempo suficiente para desenvolver adaptação.
Achados Clínicos
– Sinais e Sintomas:
.Presença comum de cansaço, fadiga, náuseas, vômitos, dispnéia, edema generalizado, hepatomegalia congestiva dolorosa, ascite (sintomas de congestão sistêmica) e Angina pectoris. Nos pacientes em que a IT é decorrente de grave EM, os sintomas desta ultima predominam. Nessa situação o aumento da regurgitação tricuspidea acaba melhorando em parte os sintomas da congestão pulmonar provocada pela EM, aumentando, porém, os sintomas/sinais decorrentes de um DC diminuído.
– Exame Físico:
. Geral – perda de peso, caquexia, cianose, icterícia.
. Turgência de jugular
.Impulsões paraesternais ao nível do 2º ou 3º espaço intercostal esquerdo (decorrentes das impulsões sistólicas do VD hipertrofiado)
. Movimento em báscula do precórdio: impulso sistólico do VD seguido de retração do Ictus Cordis . Ausculta: Sopro holossistólico de regurgitação melhor audível no foco tricúspede , que se intensifica com a manobra de Rivero – Carvallo e com a inspiraçao com a glote fechada (Manobra de Mueller). Pode-se identificar B3 de VD que aumenta com a inspiração.
Exames Complementares
-Eletrocardiograma:
.Em geral é inespecífico e característico da lesão causadora da IT, tipo EM com sobrecarga bi-atrial. FA, BIRD e ondas Q em V1 são freqüentes.
-Raio X do tórax:
. Ventrículo Direito aumentado, ausência do botão aórtico devido ao aumento do AE ,veia cava dilatada, proeminência acentuada da artéria pulmonar, visualização da veia ázigo e derrame pleural demonstram grande aumento da pressão do AD. Muitas alterações do Rx dependem da etiolgia.
-Ecodopplercardiograma:
. Detecção da IT, etiologia, avaliação da gravidade, alterações estruturais e grau de dilatação do anel, análise da pressão arterial pulmonar e função do ventrículo direito.
Parâmetros Doppler ecocardiográficos usados na graduação da gravidade da regurgitação tricúspide | |||
Parâmetro | Discreta | Moderada | Grave |
Valva tricúspide | Frequentemente normal | Normal ou anormal | Anormal/flail, má coaptação dos folhetos |
Dimensões do VD,do AD e do VCI | normais | Normais ou dilatadas | Frequentemente dilatadas |
Área do jato(cm²)(central) | <5 | 5 – 10 | >10 |
Largura da VC(cm) | Não definida | Não definida,mas <0,7 | >0,7 |
PISA (raio-cm) | ≤ 0,5 | 0,6 – 0,9 | >0,9 |
Contorno e densidade do jato (Doppler contínuo) | Suave e parabólico | Denso,contorno variável | Denso,triangular,com pico precoce |
Fluxo da veia hepática | Sistólico dominante | Sistólico atenuado | Sistólico reverso |
Tratamento Farmacológico
O tratamento clinico tem que ser extremamente ponderado, pois uma decisão cirúrgica tardia já pode encontrar um ventrículo direito com disfunção irreversível. A terapia agressiva com diuréticos às vezes é recomendável e pode reduzir a progressão da regurgitação, mas exige atenção nos efeitos colaterais que pode advir de uma diminuição do retorno venoso e conseqüente baixo debito.
Diuréticos: Presença de sinais e sintomas de congestão sistêmica. Os mais indicados são:
. Furosemida- em doses orais de 40 mgs/dia podendo aumentar conforme o caso clínico
. Espironolactona- 12,5 a 25mg/dia, podendo chegar a 50 mgs/dia associada a outro diurético, de preferência a furosemida.
- IECA(Captopril ou Enalapril) e Betabloqueadores (Carverdilol, Bisoprolol ou Nebivolol): IT secundária a disfunção ventricular esquerda
- Inibidores da fosfodiesterase-5 e antagonistas de endotelina: Hipertensão pulmonar primária
Tratamento Cirúrgico
O tempo de indicação cirúrgica continua controverso e a anuloplastia é a principal abordagem para a IT secundária, sendo bem indicada no momento de reparo da valva mitral e resulta em melhora nos resultados dos pacientes.
A troca valvar é necessária na presença de folhetos valvares anormais ou destruídos. A médio prazo a troca valvar sempre apresenta piores resultados que a anuloplastia.
Os procedimentos disponíveis são a troca valvar e a plástica
. IT isolada: indicação cirúrgica nos casos de refluxo importante associado a manifestações clínicas evidentes. Indica-se também nos pacientes com lesões moderadas em correlação com disfunção ou dilatação ventricular direita progressiva associadas a sintomas.
. IT associada a valvulopatia mitral : recomenda-se plástica quando existir regurgitação da valva tricúspide importante.
Fato é que os pacientes raramente são encaminhados para uma cirurgia tricúspide isolada. Geralmente uma cirurgia de IT se faz no planejamento de outras cirurgias. Importante citar que em virtude de ser um marcador de estagio final, tanto miocárdico como de doença valvar cardíaca, as reoperações para refluxo residuais tricuspideos são considerados procedimentos de alto risco cirúrgico.
As Diretrizes atuais da ESC tem uma abordagem mais agressiva em relação ao reparo valvar tricuspideo, exatamente para evitar com esta abordagem, complicações futuras devido a indicações cirúrgicas tardias.
Indicações para cirurgia na insuficiência tricúspide (European Society of Cardiology) | |
Indicação | Classe |
1.IT grave em pacientes que se submetem a cirurgia de valvas do lado esquerdo | I |
2.IT primária grave,sintomática apesar da terapia médica sem disfunção do VD grave | I |
3.IT primária moderada em paciente que se submete a cirurgia de valvas do lado esquerdo | IIa |
4.IT secundária moderada com dilatação do anel(>40mm) em pacientes que se submetem a cirurgia de valvas do lado esquerdo | IIa |
5.IT grave sintomática,após cirurgia de valvas do lado esquerdo com sucesso,na ausência de disfunção de VD e de VE e sem HP grave(pressão sistólica pulmonar>60 mmHg) | IIa |
6.IT grave,isolada,assintomática ou sintomatologia discreta e com dilatação progressiva ou deterioração da função do VD | IIb |
Recomendações para a cirurgia em caso de insuficiência tricúspide (ACC/AHA) | |
Indicação | Classe |
1.O reparo tricúspide é benéfico em IT grave em pacientes com doença valvar mitral com indicação cirúrgica | I |
2.Troca valva tricúspide ou anuloplastia é razoável para IT primária grave sintomática | IIa |
3.Troca valvar tricúspide é razoável para IT grave secundária e com os folhetos valvares anormais sem possibilidade para anuloplastia ou reparo | IIa |
4.Anuloplastia tricúspide pode ser considerada para IT moderada em pacientes que se submetem a cirurgia de valva mitral quando há hipertensão pulmonar(>55mmHg) ou dilatação do anel tricúspide | IIb |
5.A troca valvar tricúspide ou anuloplastia não é indicada em pacientes assintomáticos com hipertensão pulmonar < 60 mmHg na presença de valva mitral normal ou em pacientes com IT discreta primária | III |
ESTENOSE TRICÚSPIDE
Introdução
A estenose tricúspide é uma valvulopatia incomum, caracterizada pela diminuição da área valvar (de 4-6cm² para 2-2,5cm²) devido a uma abertura inadequada e diminuída dos folhetos durante a diástole. Geralmente, a ET é considerada importante quando a área valvar é menor que 1,0 cm2 e o gradiente pressórico médio é maior que 5mmHg.
Etiologia
A principal etiologia da Estenose Tricúspide (ET) é a cardiopatia reumática crônica e na maioria das vezes ocorre em associação com a estenose mitral. É encontrada em 15% dos pacientes com lesões da VM mas apenas 5% apresentam significância clinica. Causas mais raras da ET são: mixoma atrial direto, síndrome carcinóide, LES, EI, alterações congênitas, cabo de MPC e tumor atrial direito.
Fisiopatologia
A valva tricúspide estreitada impõe dificuldade para o fluxo sanguíneo do átrio direito para o ventrículo direito durante a diástole e, como consequência, gera-se um gradiente de pressão entre o AD e o VD. Além disso, forma-se uma tensão sistólica, que estimula a síntese de novos sarcômeros na parede atrial direita, causando hipertrofia concêntrica. Desse modo, o átrio melhora a sua capacidade contrátil, apesar de ficar menos complacente.
A velocidade de influxo normal pela valva tricúspide é de 0,5 a 0,7 m/s com um gradiente médio de pressão diastólico variando de 2 a 10 mmHg, com uma média de 5 mmhg. Na valva estenosada o pico de velocidade é maior que 1 m/s chegando a 2 m/s durante a inspiração. Um gradiente médio de 2 mm/Hg é suficiente para estabelecer o diagnóstico de ET e habitualmente, um gradiente de (5 mmHg) entre o átrio direito e o ventrículo direito é suficiente para aumentar a pressão média do átrio direito e causar um quadro de congestão venosa sistêmica, ascite, edema e distensão jugular, isso não ocorre se o paciente estiver fazendo uso de diurético e em dieta com restrição de sal. Uma área valvar menor ou igual a 1,0 cm2 também é parâmetro indicativo de ET grave.
A Estenose Tricúspide, devido à diminuição do fluxo sanguíneo para os pulmões, pode diminuir a congestão pulmonar nos quadros de Estenose Mitral associada e, assim , o paciente não apresentará dispneia ou ortopneia.
Achados Clínicos
– Sinais e sintomas:
.Fadiga progressiva, cansaço aos esforços, anorexia , ortopneia minima, dispneia paroxística noturna que ocorre devido ao aumento do retorno venoso neste período.
– Exame Físico:
.Estase jugular com proeminência da onda a leva a suspeita da associação com EM. As ondas v são acentuadas.
.Hepatomegalia, ascite e edema de membros inferiores (associados a congestão sistêmica), anasarca, cianose periférica
. Ausculta: ruflar diastólico, melhor audível no foco tricúspide, com irradiação para o rebordo esternal esquerdo e foco mitral. Manobra de Rivero-Carvallo (inspiração profunda) intensifica o sopro e manobra de Valsava reduz. Quando em associação com EM os dados da ausculta são superponíveis e as vezes torna-se difícil distingui-los.
Exames Complementares
– Eletrocardiograma:
. Dilatação do átrio direito desproporcional à hipertrofia do VD
. Sinais de aumento atrial direito associado ao aumento do átrio esquerdo em caso de EM.
-Raio-X tórax:
. Dilatação AD (distância entre o centro da coluna e a borda cardíaca direita superior a 5,5 cm), proeminência das veias ázigo e cava superior, cardiomegalia acentuada
-Ecocardiograma:
. Confirma diagnóstico de ET, demonstrando abaulamento das cúspides na diástole, folhetos espessados e diminuição do diâmetro do orifício valvar.
Tratamento Farmacológico
– Redução da ingesta de sódio
– Betabloqueadores em pacientes com ET moderada a importante, sintomática para controle da FC
– Bloqueadores dos canais de cálcio não diidropiridinicos ou digoxina( ½ a 1 comp. de 0,25mg/dia) em pacientes com ET importante e sintomática, podendo ser associados aos betabloqueadores para atingir o controle satisfatório da FC ou em pacientes com contra-indicação para o uso dos betabloqueadores
– Diuréticos: em caso de congestão sistêmica. Neste caso melhora a congestão hepática com conseqüente melhora da função hepática e redução do risco pós-operatório. Indica-se:
. Espironolactona- 12,5 a 25mg/dia, podendo chegar a 50 mgs/dia associada a outro diurético, de preferência a furosemida.
. Furosemida – em doses orais de 40 mgs/dia podendo aumentar conforme o caso clínico
Tratamento Cirúrgico
A maioria dos pacientes com ET possui outras valvulopatias concomitantes: primeiro a mitral, segundo a aórtica e somente em terceiro plano um ET pura. Pode ocorrer também a ET com alterações de VM e VAo em conjunto. A ET não deve ser corrigida isoladamente quando coexiste uma EM, pois o paciente passa a ter risco de congestão ou edema pulmonar. Neste caso a plastia ou troca da VM é imperativo.
A decisão entre a comissurotomia conservadora e a troca valvar depende da anatomia valvar e da experiência do cirurgião. No caso de troca valvar a preferência é para as bioproteses devido a alta incidência de trombose de prótese mecânica nessa posição. A valvotomia tricúspide percutânea se reserva a casos isolados devido a alta incidência de regurgitação significativa.
Deve ser realizada a intervenção cirúrgica da ET em:
. Pacientes com ET importante e sintomática, apesar da terapia farmacologica;
. Pacientes que serão submetidos à cirurgia valvar na câmara esquerda, quando o gradiente de pressão diastólico médio for superior a 5 mmHg e o orifício tricúspide inferior a 2cm². . Pacientes com ET importante associada à insuficiência tricúspide importante
qual é a data de publicação deste artigo ?
Gabriel
Este artigo foi escrito a exatos 5 anos.
Att
Alberto E C Melo