ACADÊMICOS DE MEDICINA:
Jéssica Santiago, Izabela Andrade, Amaro Ribeiro
PROFESSORES REVISORES:
Alberto Eustáquio Caldeira de Melo – Cardiologia Clínica
Flávio Donizete Gonçalves – Cirurgia Cardiovascular
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ESTENOSE AÓRTICA
Introdução
A Estenose aórtica é a doença valvar cardíaca mais comum. Sua prevalência aumenta com a idade, afetando aproximadamente 4,5% da população com idade superior a 75 anos. No Brasil, com o aumento da expectativa de vida, estima-se que, em 2030, teremos 11 milhões de brasileiros nesta faixa etária e consequentemente, aproximadamente 350 mil pacientes com estenose valvar aórtica degenerativa.
A valva aórtica é uma estrutura tricúspide responsável por controlar a passagem de sangue do ventrículo esquerdo (VE) para a aorta. A estenose aórtica (EAo) é uma condição em que, pela restrição à abertura dos folhetos valvares há uma redução da área valvar, levando a formação de um gradiente de pressão sistólico entre o VE e a aorta. Esta obstrução da via de saída do VE ocorre pela calcificação das estruturas valvulares, que pode ser ou não associada à fusão das válvulas da valva aórtica.
Etiologia
Nos países desenvolvidos a causa mais comum da EAo é a degeneração do complexo valvar devido à aterosclerose que ocorre da base das cúspides para os folhetos, sem ocorrência de fusão das válvulas. Nos países em desenvolvimento como o Brasil a causa mais comum continua sendo a febre reumática (FR), levando ao acometimento da população mais jovem, estando na maioria dos casos associada à lesão mitral e, muitas vezes, a insuficiência aórtica. Neste caso a EAo resulta de aderências e fusão das cúspides, o que leva à retração e ao enrijecimento dos folhetos.
Outras etiologias possíveis são a EAo congênita (população mais jovem), calcificação de uma valva aórtica bicúspide e calcificação de uma valva aórtica tricúspide.
Fisiopatologia
O processo de calcificação dos folhetos, independente da etiologia, é longo e progressivo. A obstrução da via de saída do VE provoca aumento da pressão VE-Aorta, o que determina uma progressiva hipertrofia ventricular esquerda. Esta HVE sustenta um grande gradiente de pressão pela valva aórtica, sem redução do débito cardíaco por longo tempo, permanecendo nesta fase o paciente assintomático.
Caracteriza uma obstrução crítica à ejeção ventricular um gradiente de 70 mm/Hg no ECODOTT (ecocardiograma transtorácico) na presença de um débito cardíaco normal e 50 mm/Hg pelo cateterismo cardíaco ou conforme dados da tabela abaixo:
Discreta | Moderada | Importante | |
Velocidade do jato
(m/s) |
<3,0 | 3,0 a 4,0 | >4,0 |
Gradiente médio
(mmHg) |
<25 | 25 a 40 | >40 |
Área valvar(cm²) | >1,5 | 0,8 a 1,5 | <0,8 |
Fase Descompensada: A hipertrofia ventricular esquerda reduz a reserva coronariana pela compressão da microvasculatura miocárdica e ocorre degeneração de extensa área de miócitos seguido por apoptose e fibrose. Estas alterações é que determinarão os quadros clínicos de isquemia, síncope de esforço e insuficiência cardíaca.
-Isquemia miocárdica: redução da reserva coronariana, aumento da demanda metabólica do miocárdio associado à compressão extrínseca da microvasculatura e prolongamento da fase sistólica.
-Síncope: baixa perfusão cerebral aos esforços devido ao débito cardíaco fixo.
-Insuficiência cardíaca: já em fases avançadas devido à fibrose, à redução da complacência ventricular, à maior pressão de enchimento ventricular, ao aumento da pressão atrial esquerda e ao aumento da pressão veno-capilar pulmonar. Inicialmente ocorre uma insuficiência cardíaca diastólica, porém com o tempo, a dilatação do VE ocasiona o quadro de insuficiência cardíaca sistólica, com a queda da fração de ejeção.
Quadro Clínico
A EAo tem um quadro clínico bem amparado na evolução fisiopatológica, com longo período de latência e baixa morbimortalidade na fase inicial, na qual o paciente é assintomático. As manifestações clínicas surgem em geral por volta da 5a a 6a décadas de vida e são indicativas de pior prognostico. Curvas de sobrevida mostram que o intervalo do início dos sintomas até a morte é de aproximadamente dois anos em pacientes com insuficiência cardíaca (50%), três anos em paciente com síncope (50%) e cinco anos em pacientes com angina (50%). A morte súbita é uma causa frequente de morte em pacientes sintomáticos, mas é rara entre os assintomáticos (< 1% ao ano).
Sinais e sintomas:
-Síncope: manifesta durante esforço físico e quando ocorre em repouso pode ser decorrente de arritmias ventriculares, FA ou BAV secundários a calcificação do sistema de condução.
-Angina: não responde a terapia antianginosa
-Dispnéia progressiva
Exame físico:
– Pulso é tardio e fraco (tardus e parvus). Nos casos avançados da EAo ocorre redução da pressão sistólica e da pressão de pulso.
-Ausculta: sopro sistólico ejetivo, rude, de intensidade crescendo-decrescendo (diamante). Quando muito calcificada o sopro pode ser confundido com o sopro da estenose mitral (Fenômeno de Gallavardin). A primeira bulha é normal, a quarta bulha é freqüentemente audível devido à contração atrial vigorosa.
Em estenose aórtica grave pode ocorrer o desdobramento paradoxal de B2.
A presença de frêmito pode indicar maior gravidade da doença.
Exames complementares
– Ecocardiograma
.Como exame complementar da EAo o ECODOTT é o mais indicado e tem papel fundamental para confirmar o diagnóstico e a etiologia da EAo, classificar sua gravidade e ajudar a definir a necessidade da intervenção cirúrgica. Além disso, também é indicado para reavaliação de pacientes assintomáticos a cada 6 meses na EAo importante, a cada um ano na EAo moderada e a cada 2 a 3 anos na EAo discreta. E ,ainda, para avaliar pacientes com mudança de sinais e sintomas.
.O ecocardiograma com estresse farmacológico (dobutamina) pode ser usado para diferenciar os paciente com EAo grave dos pacientes com EAo leve na presença de disfunção de VE e baixos gradientes transvalvar, permitindo também avaliar a presença de reserva contrátil de VE.
– Aumento no volume de ejeção e no gradiente médio, área da valva aórtica inalterada = estenose aórtica significativa
– Aumento no volume de ejeção, gradiente continua baixo, e área valvar aórtica aumenta = estenose aórtica discreta
– Caso não haja aumento no volume de ejeção, a gravidade da estenose aórtica não pode ser estabelecida
.O Eco 3D na valvulopatia aórtica apresenta-se como uma nova possibilidade de determinação da área da valva aórtica com melhor correlação com a aferição invasiva (método de Gorlin), quando comparada com métodos ecocardiográficos bidimensionais.
-Raio-X tórax
A radiografia de tórax é um exame pouco especifico, geralmente não apresentando nenhuma anormalidade. O aumento das câmaras esquerdas ocorrem quando há disfunção ventricular associada ou insuficiência aórtica concomitante. Pode ser observada a calcificação aórtica (anel) e dilatação da aorta ascendente.
-Eletrocardiograma
No ECG, a sobrecarga de VE é a principal alteração em 85% dos casos de EAo grave, com aumento da amplitude dos complexos QRS, padrão Strain, SAE e alterações isquêmicas da onda T. A presença de bloqueios AV e IV são observadas em até 5% dos pacientes e ocorre devido a fibrose ou extensão da calcificação ao sistema de condução.
-Cateterismo
Nos casos de discrepâncias entre a clínica e os exames ecocardiográficos se faz necessário o cateterismo cardíaco e a angiografia coronária em pacientes acima de 40 anos com troca valvar planejada. O cateterismo é o exame padrão ouro para estimar o gradiente pressórico VE-Ao e quantificar a estenose aórtica.
-Ressonância Magnética cardiovascular e Tomografia Computadorizada
São exames que têm as suas indicações especificas. Vale ressaltar a importância dos exames para estimar o RISCO AUMENTADO DE MORTE SUBITA em:
.Hipotensão desencadeada na ergometria
.Disfunção sistólica do VE
.HVE excessiva (septo > 15)
.Área valvar < 0,6 cm2
Tratamento Farmacológico
Não há tratamento especifico para os pacientes assintomáticos e os pacientes sintomáticos só devem receber terapia medicamentosa como ponte para a cirurgia, que é a indicação definitiva.
- Pacientes portadores de hipertensão arterial sistêmica, fibrilação atrial ou disfunção ventricular esquerda necessitam de terapia especifica de acordo com a sua condição clínica.
- Cerca de 10% dos pacientes com EAo desenvolvem FA e, se possível, a cardioversão deve ser indicada imediatamente, pois a FA prejudica a função atrial, que é importante na fase diastólica final do VE. Nestes casos, deve-se averiguar alterações concomitantes na valva mitral.
- Os betabloqueadores devem ser evitados.
- Os diuréticos podem causar hipovolemia, redução do débito cardíaco e diminuição da pressão diastólica final do VE, causando hipotensão ortostática. Portanto também devem ser usados com parcimônia.
- Os bloqueadores do canal de cálcio (BCCs) provocam a redução da resistência vascular periférica e do inotropismo e também devem ser evitados ou usados com cuidado. Desta classe o Diltiazem parece ser o que possui o perfil de segurança mais adequado na EAo.
- Os digitálicos são indicados se houver aumento do volume ventricular ou redução da FEVE. A dose usual é de ½ a 1 comprimido de digoxina 0,25 mgs por dia.
- Os IECAs não têm indicação principalmente em pacientes sintomáticos com FEVE normal.
- Em pacientes com edema agudo pulmonar e estenose aórtica importante, o uso cauteloso de nitroprussiato de sódio pode ser considerado.
- Nos pacientes com EAo de etiologia reumática, a prevenção secundária da FR deve ser instituída(ver profilaxia da FR no final do capítulo).
- Prevenção endocardite infecciosa: Diretrizes americanas e européias não recomendam profilaxia para EI em valvas nativas. No Brasil as poucas estatísticas existentes em centros mais avançados mostram alta incidência de EI em portadores de valvulopatia importantes, sendo ,portanto, mais adequado a indicação da profilaxia para EI para:
– Todos pacientes portadores de valvopatias anatomicamente significativas, em vez de usar essa estratégia somente para aqueles pacientes considerados de alto risco;
– Procedimentos potencialmente contaminados ou com manipulação de mucosas dos tratos gastrointestinal e geniturinário.
*Ver mais detalhes no capítulo de Endocardite Infecciosa
- Não há evidencias que sustentem o uso de estatinas para a progressão da EAo, mesmo em pacientes de etiologia degenerativa.
Tratamento Cirúrgico
A troca da valva aórtica é o tratamento definitivo para a estenose valvar aórtica. Nos trabalhos recentes a mortalidade cirúrgica para a troca de valva aórtica isolada varia de 3 – 5 % em pacientes com idade inferior a 70 anos e de 5-15% nos mais idosos.
O benefício do tratamento cirúrgico depende, entre outras variáveis, da função ventricular esquerda, sendo observada menor sobrevida tardia naqueles com FEVE reduzida ou com disfunção ventricular de longa duração, ou seja, a partir do inicio dos sintomas a cirurgia não deve ser mais postergada. O procedimento cirúrgico melhora os sintomas, aumenta a sobrevida, promove queda do gradiente pressórico transvalvar, aumenta a FEVE e reduz a HVE.
. Dentro do grupo de pacientes com EAo grave assintomáticos existe um subgrupo de maior risco, transformando a abordagem destes pacientes de conservadora à ativa, ou seja, cirúrgica. Nesse propósito, identificam-se fatores de alto risco:
– Pacientes com Teste de Esforço positivo com hipotensão ao esforço ou outros sintomas evidentes; – Área valvar aórtica menor ou igual a 0,7 cm2 ou área valvar indexada menor ou igual a 0,4 cm2/m2; – Diminuição da área valvar > 0,1 cm²/ano; – Velocidade de fluxo transvalvar maior ou igual a 5 m/s; – Velocidade de jato transvalvar aórtico rapidamente progressiva, com taxa anual maior que 0,3 m/s; – Calcificação valvar aórtica moderada a intensa se associada com rápido aumento da velocidade de fluxo trasnvalvar aórtico; – Hipertrofia ventricular excessiva (12 a 14 mm em mulheres e 14 a 16 mm em homens); – Doença coronariana associada; – Disfunção ventricular sistólica; – Elevação do BNP. |
Portanto pacientes com EAo grave assintomáticos devem ter condutas individualizadas na dependência de critérios de risco.
– A valvuloplastia por balão é um método alternativo à valvotomia cirúrgica, mas deve ser empregado apenas em crianças ou adolescente. Em adultos com calcificação valvar a taxa de reestenose por cicatrização está em torno de 50% dos pacientes após 6 meses do procedimento.
-A técnica de implante percutâneo da valva aórtica, via femoral ou transtorácica, com colocação de prótese biológica ancorada ainda não substitui o procedimento cirúrgico convencional.
Indicações Cirúrgicas segundo a SBC:
Classe I (indicação excelente):
.Pacientes com EAo importante sintomáticos.
.Pacientes com EAo importante que serão submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica ou a cirurgia da aorta torácica ou outra cirurgia valvar concomitante. |
.Pacientes com EAo importante e FE < 50%.
Classe IIa(evidência muito boa): .Pacientes com EAo moderada que serão submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica ou a cirurgia da aorta torácica ou outra cirurgia valvar concomitante .Pacientes com EAo importante, assintomáticos, que apresentem resposta anormal no teste de esforço (sintomas desproporcionais ao esforço realizado ou hipotensão) Classe IIb(evidência razoável): .Pacientes com EAo importante, assintomáticos, com alto risco de progressão da doença (idade avançada, calcificação valvar acentuada, DAC). .Pacientes com EAo discreta a moderada que serão submetidos a cirurgia de revascularização miocárdica e que apresentem preditores de progressão rápida da EAo, como calcificação valvar acentuada. .Pacientes com EAo com gradiente médio < 40mmHg e disfunção ventricular, mas com reserva contrátil. .Pacientes com EAo importante, assintomáticos, com arritmias ventriculares complexas durante o teste de esforço .Pacientes com EAo importante, assintomáticos, com hipertrofia ventricular importante (septo e parede posterior > 15mm). Classe III(inaceitável): .Pacientes assintomáticos com EAo que não se encaixem nas indicações acima. |
Fonte: Diretriz Brasileira de Valvulopatias – SBC 2011
INSUFICIÊNCIA AÓRTICA
Introdução
A insuficiência aórtica (IAo) caracteriza-se pelo fluxo sanguíneo retrógrado da aorta para o ventrículo esquerdo durante a diástole, devido à incompetência do mecanismo de fechamento valvar aórtico.
Etiologia
A causa mais comum de IAo em nosso meio é a febre reumática, responsável por cerca de 85% dos casos. Outras causas de IAo são: a estenose aórtica do idoso que desenvolve graus variados de IAo; endocardite infecciosa com destruição e perfuração dos folhetos; valva aórtica bicúspide (causa congênita mais comum), a estenose subaórtica fixa, deterioração estrutural de bioprótese aórtica, degeneração mixomatosa. Outras causas menos freqüentes são: espondilite anquilosante, o LES, a artrite reumatóide, a Síndrome de Reiter, a Doença de Crohn, a dilatação da aorta ascendente. Neste ultimo grupo encontram-se a dilatação aórtica degenerativa, a necrose cística da média (associada ou não a Síndrome de Marfan), a dissecção de aorta, a aortite sifilítica, a artrite psoriásica, osteogênese imperfeita, a Síndrome de Behçet, a artrite de células gigantes e hipertensão sistêmica.
É necessário ficarmos atentos as causas da IAo aguda e a mais freqüente é a endocardite infecciosa e a dissecção da aorta ascendente com comprometimento valvar. Menos freqüentes são a dilatação por balão na coarctação da aorta, valvoplastia aórtica percutânea e trauma fechado do tórax.
Fisiopatologia
IAo Crônica:
O ventrículo esquerdo é uma bomba de alta complacência, capacitada para receber grandes volumes com pequena elevação da pressão. Na IAo o ventrículo esquerdo recebe o débito normal do átrio esquerdo (AE) adicionado ao volume regurgitante proveniente da aorta. Desse modo haverá sobrecarga de volume (maior) e sobrecarga de pressão (menor), o que determinará hipertrofia concêntrica e excêntrica com replicação em série dos sarcômeros e alongamento de fibras. Esta situação provoca o aumento do volume diastólico final, aumento do volume sistólico final (fase compensada com débito cardíaco normal), diminuição da relação parede/cavidade (Cor bovis), aumento da tensão sistólica na parede, aumento do consumo de O2 devido ao aumento da massa do VE, o que pode provocar quadro de isquemia sem presença de DAC. A isquemia pode ser também provocada pela diminuição da oferta de O2 devido à diminuição do fluxo coronariano diastólico (PA diastólica diminuída).
Esta situação acima descrita, a longo tempo, determina fibrose miocárdica, que diminui a complacência e piora a disfunção ventricular esquerda (disfunção segmentar e global) com conseqüente diminuição da fração de ejeção em fase adiantada da IAo.
IAo Aguda:
Nesse quadro o ventrículo esquerdo não está adaptado à sobrecarga súbita de volume e pressão diastólica imposta pela insuficiência valvar abrupta. Apesar do mecanismo de Frank-Starling ser acionado, o VE não é capaz de aumentar agudamente o seu volume diastólico. A taquicardia compensatória muitas vezes não é suficiente e os sintomas de falência cardíaca esquerda são exuberantes. O aumento súbito da pressão diastólica do ventrículo esquerdo provoca o fechamento prematuro da valva mitral (PDVE > PAE = Fechamento mitral prematuro) como mecanismo fisiológico de defesa, na tentativa de evitar a transmissão retrógada desta situação hipertensiva do VE para o AE. Porém esta situação não impede a ocorrência da hipertensão venocapilar pulmonar, porque no momento da contração atrial a pressão diastólica do ventrículo esquerdo é máxima. Essa situação determina o quadro de insuficiência cardíaca, edema pulmonar e choque cardiogênico.
Quadro Clínico
Sinais e sintomas:
.O VE dilata-se gradativamente e o paciente pode ficar assintomático ou oligossintomático por anos ou décadas, sem aumento de morbimortalidade pela valvulopatia.
.Em decorrência da disfunção ventricular ocorre dispnéia de esforço, fadiga, ortopneia, dispnéia paroxística noturna
.Devido ao impacto do coração contra a parede torácica pode ocorrer quadros de palpitações, angina e dor torácica
.Síncope e morte súbita são eventos raros.
Exame físico:
.Nota-se o aumento da amplitude de pulso da aorta e demais artérias juntamente com aumento apreciável da pressão de pulso, ou seja, da diferença entre a pressão arterial sistólica e diastólica, esta às vezes persistindo até zero.
. O ictus cordis é difuso, hiperdinâmico e deslocado para baixo e para a esquerda.
. Ausculta: o sopro diastólico aspirativo é de alta freqüência e inicia imediatamente após a segunda bulha. O sopro em decrescendo é melhor audível com o paciente sentado e com o corpo inclinado para frente, nos foco aórtico e aórtico assessório. A duração do sopro guarda mais relação com a gravidade da IAo do que a sua intensidade. O sopro de Austin-Flint, do tipo ruflar, semelhante ao da estenose mitral é indicativo de gravidade da IAo. A presença de B3 correlaciona com o aumento do volume sistólico final e, portanto, com a gravidade da IAo.
Outros achados importantes:
. Pulso em martelo d’agua (Pulso de Corringan) – pulso apresenta grande amplitude com redução abrupta
.Sinal de Musset : movimentação da cabeça aos batimentos cardíacos
.Sinal de Minervini : pulsações da base da língua
.Sinal de Quincke: variação da tonalidade subungueal pulsátil, palidez e ruborização à compressão leve
.Sinal de Muller: pulsação da úvula
.Sinal de Traube : som agudo auscultado sobre o pulso femoral (ruído de pistola)
.Sinal de Duroziez: duplo sopro auscultado à compressão da femoral
Nos casos de IAo aguda as manifestações clínicas são súbitas e o paciente desenvolve insuficiência cardíaca, congestão/edema pulmonar e choque cardiogênico. O diagnóstico deve ser suspeitado frente ao quadro clínico relacionado à doença de base.
Exames complementares
-Eletrocardiograma
IAo aguda: não há alterações eletrocardiográficas
IAo crônica:
.Desvio do eixo para a esquerda e sobrecarga do ventrículo esquerdo
.O padrão Strain do VE se correlaciona com presença de dilatação e hipertrofia
.Em casos avançados podem-se observar alterações de ondas P compatíveis com sobrecarga atrial
esquerda
-Radiografia de Tórax
IAo aguda: área cardíaca normal, podendo se observar sinais de congestão pulmonar
IAo crônica: refletem o tempo e a gravidade da doença, sem determinar o estado da função ventricular esquerda, pois a cardiomegalia é um fator adaptativo. O VE cresce inferior e lateralmente. Alterações na aorta podem sugerir a etiologia da IAo. Aumento do AE com retificação do arco médio pode indicar disfunção mitral associada.
-Ecocardiograma
Identificação da etiologia, da gravidade da IAo e do nível do comprometimento ( nível de valva ou da raiz da aorta) e avaliação dos aspectos morfológicos da valva. E, ainda, análise da função ventricular esquerda através dos valores dos diâmetros ventriculares, da fração de encurtamento e de ejeção, da relação massa-volume ventricular e do cálculo de estresse sistólico. Tal avaliação é de suma importância para determinar o melhor momento para a intervenção cirúrgica.
O Eco é necessário para reavaliação periódica anual do tamanho e função do VE em pacientes assintomáticos com IAo importante e reavaliação de pacientes com mudança de sintomas e sinais. É importante também após intervenção cirúrgica da valva aórtica. O ECODOTE (transesofágico) pode ser utilizado em casos de limitações pelo ECODOTT (transtorácico).
Quantificação da Insuficiência Aórtica | |||
LEVE | MODERADA | GRAVE | |
VOL.REGURG.
(ml/batimento) |
<30 | 30-59 | ≥ 60 |
FRAÇÃO REGURG.(%) | <30 | 30-49 | ≥ 50 |
ORIFÍCIO ÁREA REGURG. (cm²) | <0,10 | 0,1-0,29 | ≥ 0,30 |
Ventriculografia radioisotópica
Este exame tem a função de avaliar a reserva funcional cardíaca através do cálculo da fração de ejeção do ventrículo esquerdo. As medidas seriadas são úteis na detecção precoce de deterioração da função ventricular esquerda. Sua indicação se faz necessária quando a avaliação não invasiva é inconclusiva ou discordante dos achados clínicos.
Tomografia computadorizada
É útil no diagnóstico de doenças da aorta torácica que eventualmente possam cursar com IAo. A angiotomografia de coronárias pode substituir a cineangiocoronariografia pré-operatória em pacientes com baixa a moderada probabilidade de doença arterial coronariana.
-Ressonância magnética nuclear
Esse exame fornece medidas precisas dos volumes regurgitantes, dos volumes diastólico e sistólico ventriculares finais, da massa ventricular e do tamanho do orifício regurgitante, sendo muito preciso para avaliação do paciente com IAo.
Indicações:
– Avaliação da FE ou volumes ventriculares limítrofes ou duvidosos pelo Eco
– Presença de duvidas na gravidade da IAo ou resultados conflitantes em outros exames
– Análise das dimensões da raiz da aorta e aorta ascendente
-Cateterismo Cardíaco
Indicações
-Exames clínicos e laboratoriais discordantes quanto à da gravidade da regurgitação, função ventricular e dilatação da raiz da aorta
-Avaliação das artérias coronárias antes da cirurgia valvar em pacientes com fatores de risco para doença arterial coronariana (homens acima dos 40 anos e mulheres acima dos 45 anos).
Tratamento Farmacológico
IAo aguda
Deve ser tratada como urgência/emergência devido à rápida deterioração cárdica sofrida pela incapacidade de acomodação do volume sanguíneo regurgitante e nesta situação a mortalidade precoce por insuficiência cardíaca é alta, mesmo com os cuidados intensivos imediatos. A indicação cirúrgica é imediata e, para estabilização clínica do paciente deve-se utilizar:
- Diuréticos:
. Furosemida:
Dose inicial : 0,5 a 1 mg/kg IV (1 ampola = 2 ml = 20 mgs)
P.ex: Paciente com 60 kgs: dose inicial – 1,5 a 3 amps – EV – em infusão não superior a 20 mgs/min.
Inicio da venodilatação < 5 min. Diurese em torno de 5 min.
Pico de ação: 30 min. Meia-vida: 30 a 60 minutos.
Duração: venodilatação < 2 horas. Diurese em torno de 60 min
- Vasodilatadores:
. Nitroglicerina:
Observação: não usar em PAS < 90 mmHg, bradi ou taquicardia, pois pode desencadear palpitações e síncope. Não usar em hipovolemia não corrigida e IAM de VD
Apresentação: ampolas de 5 ml (25 mgs) ou 10 ml (50 mgs)
Sempre fazer através de bomba de infusão continua (BIC) e com monitorização de PA/FC/Sp02
Em termos práticos: 01 amp de 5 ml + SGI 5% 245 ml – EV – BIC – iniciar com 10 ml/h e observar na beira do leito de 3 em 3 a no máximo 5 em 5 minutos e adequar a dosagem à resposta.
- Inotrópicos:
.Dobutamina:
Apresentação: 250 mgs em 20 ml
Sempre com BIC e monitorização continua.
Em termos práticos: 01 ampola + SF 0,9% 230 ml – EV – BIC – iniciar com 10
ml/h e observar reações clínicas (aumento da FC e da PA). Inicio da ação: 1 a 2
minutos. Corrija a hipovolemia antes de iniciar a medicação.
- Betabloqueadores diminuem a freqüência cardíaca e aumentam a diástole, aumentando o refluxo aórtico e só devem ser usados, com muita parcimônia, em caso de dissecção aguda da aorta.
- Em casos onde a etiologia é comprovadamente a endocardite infecciosa, estando os pacientes hemodinamicamente estáveis, a troca valvar cirúrgica deve ser postergada pelo prazo de cinco a sete dias, enquanto se faz a antibioticoterapia conforme resultado da cultura e antibiograma ou orientação da CCIH quanto à flora bacteriana prevalente na Instituição. Em caso de instabilidade hemodinâmica ou deterioração clínica do paciente, a cirurgia é de indicação imediata.
- Contra-indicado o uso do balão intra-aórtico
IAo crônica
O tratamento é condicionado pela clínica do paciente. Os pacientes têm uma longa fase assintomática na qual deve ser utilizado apenas a profilaxia para endocardite infecciosa e para recorrência de febre reumática(final do capítulo). Após início dos sintomas, o declínio na sobrevida é progressivo e morte ocorre geralmente em quatro anos após o desenvolvimento de angina e dentro de dois anos após o inicio de insuficiência cardíaca. O inicio dos sintomas determina a intervenção cirúrgica.
- Vasodilatadores:
. Não há evidências definitivas que indiquem a utilização dos vasodilatadores cronicamente em pacientes assintomáticos, exceto se esses forem hipertensos onde tais agentes apresentam boa indicação. O uso de vasodilatadores em pacientes assintomáticos podem mascarar os sintomas e atrasar um correta indicação cirúrgica.
. Devem ser administrados em pacientes com IAo importante, disfunção ventricular e sintomas, quando a realização da cirurgia não é possível ou pacientes sintomáticos e com disfunção ventricular antes da cirurgia. A medicação deve ser iniciada com doses menores e aumentar conforme tolerância do paciente. Atualmente, privilegia-se os I-ECAs como fármaco de escolha.
Tratamento Cirúrgico
Nos pacientes com insuficiência valvar aórtica aguda, a cirurgia de troca valvar é indicada de urgência. Na insuficiência valvar crônica o objetivo do tratamento cirúrgico é melhorar os sintomas, prevenir o desenvolvimento da insuficiência cardíaca e morte cardíaca e, ainda, evitar complicações nos pacientes com aneurisma de aorta ascendente.
A decisão para o tratamento cirúrgico da IAo crônica é baseada na avaliação dos sintomas, nos resultados do ecocardiograma e, eventualmente, na prova de esforço e na ressonância nuclear magnética. Mesmo quando há disfunção ventricular grave o beneficio do tratamento cirúrgico é evidente, pois determina melhora da função ventricular após a retirada da sobrecarga volume-pressão e promove melhora da qualidade de vida do paciente.
CONSIDERAÇÕES ESPECIAIS NOS IDOSOS
- A maioria dos pacientes apresentam dupla lesão valvar e pacientes acima de 75 anos são mais propensos a desenvolver sintomas e disfunção ventricular em estágios mais precoces de dilatação ventricular que adultos jovens.
- Uma vez que o objetivo da terapia é melhorar a qualidade de vida e não longevidade, o sintoma torna-se o “divisor de águas” para determinar quais os candidatos serão indicados para a cirurgia;
- No entanto mesmo os pacientes assintomáticos e oligossintomáticos que desenvolvem disfunção de VE devem ser considerados para a troca valvar.
Indicações Cirúrgicas segundo a SBC:
Classe I(indicação excelente):
. Pacientes com IAo importante e sintomáticos
.Pacientes com IAo importante, assintomáticos, com Fração de Ejeção(FE) < 50% em repouso
.Pacientes com IAo importante que serão submetidos concomitantemente a cirurgia de revascularização miocárdica ou cirurgia da aorta ou de outras valvas cardíacas.
.Pacientes com IAo importante aguda ou agudizada de qualquer etiologia levando a insuficiência cardíaca aguda
Classe IIa (evidência muito boa):
.Pacientes com IAo de etiologia não reumática, importante, assintomáticos, com FE ≥ 50%, mas com Diâmetro diastólico final do ventrículo esquerdo(DdVE) > 75mm ou Diâmetro sistólico final do VE (DsVE) > 55mm
Classe IIb (evidência razoável):
.Pacientes com IAo de etiologia reumática, importante, assintomáticos, com FE ≥ 50%, mas com DdVE > 75mm ou DsVE > 55mm.
.Pacientes com IAo importante, assintomáticos, com FE 50%, mas com DdVE 70-75mm ou DsVE 50-55mm, associado a evidência de resposta anormal ao exercício
.Pacientes com IAo moderada que serão submetidos concomitantemente a cirurgia de revascularização miocárdica ou cirurgia da aorta ou de outras valvas cardíacas.
Classe III (inaceitável):
.Pacientes com IAo importante, assintomáticos, com FE ≥ 50% e com DdVE < 70mm e DsVE < 50mm